O outono é a estação do ano mais generosa, em Porto Alegre, onde as outras cinco – friaca, sauna, ciclone, dilúvio e gosma – costumam sabotar um simples passeio pelo parque ou por ruas de bairro. Abril, maio, às vezes também junho trazem dias de céu completamente azul. A chuva rareia, a brisa é fresca e acarinhante, e se sai a caminhar pela manhã aspirando a saúde que o resto do ano conspira contra.
Mas neste 2020 do coronavírus, condenados a apreciar a rua pela janela, ou nem tanto para quem mora de fundos, não haverá solzinho com bergamotas que nos redima. A ordem é achatar a curva da contaminação, não há o que discutir. E nem importa o quão chata se torne também a vida, contanto que siga adiante e além do inverno sem comprometer a dos outros.
A dúvida que persiste é sobre quais prognósticos da evolução da pandemia no Brasil, entre os menos levianos e os apocalípticos, irão se confirmar. A expectativa mínima é que se chegue ao patamar da Itália, com uma Lombardia paulista, mas as favelas, os bolsões de miséria e de sub-habitação país afora – e os pronunciamentos presidenciais – são vetores de uma tragédia ainda maior.
Tão clara é essa ameaça que se ouvem clamores por uma ação do Estado imediata e qualificada, priorizando os mais necessitados, dos mesmos atores da mídia e do empresariado que até ontem promoviam com empáfia o desmonte das estruturas de proteção social. Aplaudem agora o SUS e os programas de renda básica como a uma Geni, de quem se espera que conforte a turba esfomeada antes de ela se amontoar na porta do castelo.
E há quem não chegue a tanta compaixão senão arrastado. Gente como Trump, Bolsonaro, Guedes e outros tantos prefere ressalvar que a economia não pode ser destruída apenas porque alguns velhinhos pegaram um resfriado. Muitos desses buldogues do mercado devem vislumbrar na letalidade seletiva do vírus a reforma da previdência perfeita, com a velocidade e a eficácia que tentaram mas não conseguiram imprimir pela via congressual.
Enfim, na esteira desse cataclisma e do confinamento, também a Cultura de imediato engrossou a fila da desocupação. O trabalho em palco perde a razão de ser, em um mundo de teatros fechados e distanciamento social, e esse retiro compulsório e não remunerado é doloroso e preocupante para toda a classe, que busca se reinventar de várias formas.
Da minha parte, com a agenda de shows cancelada, sem aplicações na XP, bem imóvel ou alguém que me compre a bicicleta, vou à luta aqui mesmo, buscando fazer do site a um só tempo palco, diversão, reflexão, contato e sustento. Ao estilo de um crowdfunding sem cobrança mínima nem promessas máximas, o conteúdo que rolar estará aberto a todos, com textos, vídeos e eventuais lives que se vai anunciar. As colaborações são muito bem-vindas, certamente servirão para que o trabalho seja sempre aprimorado, e para elas há um espaço reservado logo abaixo na página, agradecemos a visita.
Abçs, Nei
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